CARTA DO 3º ENCONTRO TOCANTINENSE DE AGROECOLOGIA
CARTA DO III ENCONTRO
TOCANTINENSE DE AGROECOLOGIA
No III Encontro
Tocantinense de Agroecologia, realizado no período de 23 a 26 de novembro de
2017, na aldeia Cipozal, terra
indígena Apinajé, município de Tocantinópolis, Tocantins, tivemos relevante participação
de povos indígenas, camponeses, quilombolas, quebradeiras de coco e suas
organizações representativas vindos de assentamentos, aldeias, quilombos e
cidades do Estado do Tocantins. A chegada das caravanas vindas de todas as
regiões do Tocantins e de outros Estados, à aldeia Cipozal aconteceu na tarde
do dia 23.
O
III Encontro Tocantinense de Agroecologia é uma importante conquista e
realização desses lutadores e lutadoras, protagonistas da resistência camponesa
e indígena na região Norte de Tocantins, mais conhecida como “Bico do
Papagaio”. Nas décadas de 1970 e 1980 essa região foi palco de intensas lutas
dos trabalhadores(as) rurais e das quebradeiras de coco. Naqueles tempos
sombrios de violência e opressão, para não entregar essa terra aos latifundiários
e ruralistas, nossos povos se organizaram, lutaram e enfrentaram a grilagem, a
pistolagem e a violência institucionalizada da ditadura militar.
Nosso
povo sabe o que quer. Na mesma época, o povo Apinajé junto com parentes Krahô,
Xerente, Kayapó, Xavante e Romkokamekra (Canela), se mobilizaram para lutar,
demarcar e garantir parte de seu território tradicional, às custas de muito
sacrifício, suor e sangue. Portanto, nossa luta é a mesma,
sempre sofremos violências dos grandes por causa de terra. Sempre foi assim
nossa história de luta para garantir nosso cerrado, nosso babaçu, nossas águas
e nosso território do Bem Viver para presentes e futuras gerações. O III Encontro de Agroecologia é a continuidade e afirmação dessa resistência dos
povos do Bico do Papagaio. É incidência política em favor do Bioma Cerrado, da
palmeira babaçu, do pequi e do bacuri. E a doação de Vidas pela Vida.
Esses ideais e
objetivos das lutas travadas pelos povos indígenas, quilombolas, quebradeiras
de coco e camponeses presentes nesse III Encontro se misturam e se confundem na
mesma causa comum. Movidos pelo senso universal do sagrado direito a existência e pela consciência em defesa da vida, buscamos a
liberdade; lutando contra a escravidão do corpo e da alma, nos insurgindo contra
a violência e a tirania do latifúndio. Queremos um mundo livre de muros e
cercas, uma sociedade mais tolerante e um Brasil mais soberano, independente e
altivo. Exigimos a demarcação dos territórios indígenas, quilombolas e nos
manifestamos contra a corrupção, o abuso de poder e o golpe dos ruralistas. Com
essa força e teimosia, nos levantamos em defesa das águas e da vida da Mãe
Terra. Enfrentamos juntos as dificuldades e as imposições daqueles que querem
nos provocar, dividir e enfraquecer.
Esse
III Encontro é sustentado e alimentado pelas experiências de nossos anciãos, a
força de nossa juventude e a esperança de nossas crianças. As diversas oficinas
temáticas realizadas significaram trocas de experiências e formas vivas e
divertidas de se alegrar, transmitir conhecimentos e desenvolver saberes.
Espaço para compartilhar, aprender e ensinar. A união da diversidade, intercâmbio
cultural e celebração do Bem Viver. Lugar de pluralidade, de cantoria, de
alegria e da amizade. Momento de poesia, de canção e de sabedoria. Encontro do
maracá, da sanfona, do violão e do tambor.
Momentos únicos de magia e simpatia das mulheres guerreiras, meninas
morenas, indígenas, quilombolas e quebradeiras. Encontro de celebrar a mística
da terra para plantar, do sol para brilhar, do vento para soprar, das águas para
molhar e dos povos para revolucionar.
A
labuta incansável e diária das mulheres indígenas é a mesma das mulheres
quilombolas e quebradeiras de coco; sofredoras na mesma dor, mas também
guerreiras e batalhadoras que nunca se entregaram e se deixaram escravizar por
ninguém. Como a própria Mãe Terra,
mulheres são geradoras da vida e reparadoras, que fazem brotar das cinzas a vida
que foi queimada e destruída. Senhora absolutas da fertilidade e animadoras da
esperança. Mulheres, presentes no lar, na política, nas salas de aulas, na
roça, nas artes e na luta social. Mulheres valentes e presentes no III Encontro
Tocantinense de Agroecologia.
Nossa relação e
diálogo com a natureza é de Paz, harmonia e reciprocidade. Nesse encontro,
vozes proféticas denunciaram as hostilidades
e a guerra injusta do agronegócio contra a Mãe Terra. Repudiamos o uso do
veneno nas plantações, a expansão das monoculturas de soja e eucaliptos, o
desmatamento, os incêndios florestais e os assassinatos de ativistas e ambientalistas;
práticas criminosas e desprezíveis atribuídas aos ruralistas que devem ser
combatidas.
Os
empresários do agronegócio não conseguem compreender a natureza que pede
socorro e precisa viver. Alguns homens interromperam de vez sua ligação com os
elementos vitais do Planeta e o sagrado, de forma ingrata não querem mais
conhecer e valorizar a chuva. Insensatos se recusam a ouvir e sentir a voz do
vento. Arrogantes, ignoram e não querem ver a luz e o brilho do sol. Imprudentes,
envenenam as águas. A falta de sabedoria os leva a desprezar a espiritualidade
da terra aonde pisam. Tudo isso movidos pela lógica do desenvolvimento
econômico, da acumulação de capital e da cegueira em busca de lucros sem limites.
Por causa do dinheiro, essa classe político-empresarial despreza princípios e
valores humanos, esquece de Deus e perde a razão.
Diante
dessas ofensivas, a própria natureza está reagindo para ser respeitada e
ouvida. Antes que o Sol responda, nos perguntamos: Quantos rios precisam secar
para que entendam e parem de desmatar? Até que aprendam o sentido do Bem Viver,
quantas árvores atingidas pela ação criminosa dos tratores irão morrer? Quanta
hipocrisia e mentiras irão ser repetidas a todo momento, antes de afirmarem a
verdade declarando que veneno não é alimento?
Continuaremos
firmes na prática da produção sustentável de alimentos agroecológicos, pois o
ato de se alimentar é celebração da vida. No fortalecimento e garantia da
Segurança Alimentar e Nutricional dos povos e suas comunidades. Defendemos a
recuperação de áreas degradadas e proteção dos mananciais de águas. Estaremos
sempre pró ativos participando da Campanha em Defesa do Cerrado e contra o
desmatamento e o MATOPIBA. Nossos povos continuarão sempre atentos e mobilizados
contra os projetos de hidrelétricas planejados nas bacias dos rios Tocantins e
Araguaia, que afetam e ameaçam povos indígenas, ribeirinhos e camponeses. Esse
desafio é nosso!
Enfim, esse foi o Encontro da pluralidade de ideias e pensamentos, da afirmação étnica, da diversidade
cultural, das sementes, do artesanato, das expressões corporais, das pinturas, das
artes, danças, corridas de toras, atividades que fizeram parte das
apresentações agroecológicas e culturais do III Encontro Tocantinense de
Agroecologia. Momentos que vão ficar na história e na memória dos participantes
desse Encontro.
Aldeia
Cipozal, Terra Indígena Apinajé, 26 de setembro de 2017.
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